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Modelos

Agora que já estão convencidos de que não temos alternativas à distribuição, que conhecem algumas das arquiteturas e tecnologias usadas, vamos dar um passo para trás para entendermos os fundamentos necessários à criação de sistemas escaláveis e tolerantes a falhas. Comecemos por consider um problema abstrato, que pode ser mapeado para um problema de computação distribuída.

Uma história de três exércitos

Era uma vez uma cidade estado no alto de uma montanha, que era invejada pelos habitantes das cidades vizinhas pelo seu magnífico pôr-do-sol, perfeito para se "instagramar". A cidade era muito bem fortificada, contudo, e dizia-se que ela poderia se defender de qualquer ataque em uma única frente, mas que se atacada em duas frentes, cairia. Sabendo disso, os reis de duas as cidades vizinhas juntaram forças, seus dois exércitos, para tentar tomar a cidade. No comando dos dois exércitos, Alice e Bastião.1

Paradoxo dos 2 Generais

Alice, a comandante mais sênior, deve decidir quando atacar e informar a Bastião, por exemplo, simplesmente ordenando "Atacar no dia 3, ao nascer do sol." Bastião obedecerá a ordem de atacar contanto que esteja certo de que Alice também atacará, e é justamente daí que vem a dificuldade do problema. Um complicador no ataque é que a comunicação entre os dois exércitos é feita por mensageiros que devem contornar a montanha para alcançar o outro exército. O trajeto é complexo e cheio de armadilhas e por isso mensageiros podem se perder e demorar um longo tempo para chegar ou até mesmo "se perderem" e nunca entregarem suas mensagens.

Se mensagens podem ser perdidas, Alice não tem garantias de que Bastião recebeu o comando e, por isso, não pode simplesmente considerar como certo o ataque de Bastião. Como o problema pode ser resolvido?

Confirmações

Uma resposta natural é usar mensagens de confirmação. Isto é, quando Bastião recebe uma ordem, envia um mensageiro de volta para Alice com uma confirmação da recepção. Alice ao receber tal mensagem, sabe que Bastião executará a ordem, correto? Mas não é tão simples assim no caso da ordem de atacar. Lembre-se que qualquer exército que ataque sozinho, perderá, seja Alice ou Bastião. Por isso, ao enviar uma mensagem de confirmação do ataque, Bastião precisa estar certo de que Alice a recebeu, ou atacará sozinho. Novamente podemos apelar para uma mensagem de confirmação ou, neste caso, uma confirmação da confirmação. E o problema se repete indefinidamente.

Paradoxo dos 2 Exércitos

  • \(A\) e \(B\) devem concordar na hora do ataque.
  • \(A\) ataca se estiver certo que \(B\) atacará.
  • \(B\) ataca se estiver certo que \(A\) atacará.
  • A comunicação por troca de mensagens.
  • Mensagens podem ser arbitrariamente atrasadas.
  • Mensagens podem ser perdidas.

Como um exército tem certeza que o outro irá atacar?

Suponhamos que há um algoritmo correto que executa uma sequência finita de troca de mensagens em que ao final tanto Alice quanto Bastião estão seguros, e corretos em sua segurança, de que o outro também atacará. Seja \(n\) o número máximo de mensagens trocadas. Em uma execução em que todas as \(n\) mensagens possíveis são usadas, suponha sem perda de generalidade que Alice enviou a \(n\)-ésima mensagem.

Paradoxo dos 2 Generais

Observe que, do ponto de vista de Alice, uma execução do algoritmo em que a nenhuma mensagem é perdida, é indistinguível de uma execução em que a \(n\)-ésima mensagem é perdida.

Paradoxo dos 2 Generais

Dado que ao final da primeira execução completa Alice ataca, no final da execução onde a mensagem \(n\) é perdida, Alice também deve atacar. Mas se o algoritmo é correto, então também Bastião ataca, mesmo sem ter recebido a enésima mensagem. Logo, a enésima mensagem é desnecessária ao algoritmo, que deve funcionar com \(n-1\) mensagens.

Repetindo-se o argumento mais \(n-1\) vezes, temos que o algoritmo deve funcionar com zero mensagens, o que é um absurdo. Logo não existem algoritmos corretos para o problema como definido, isto é, em que mensagens podem ser perdidas; é impossível resolver o problema.

Impossibilidades

Impossibilidade de resolução x resolução na prática.

Apesar de ser impossível resolver este problema aparentemente simples, devemos fazê-lo frequentemente no mundo real. A resposta está no que consideramos como premissas válidas no ambiente em que tentamos solucionar o problema e quais exatamente são as propriedades de uma solução aceitável.

Impossibilidades

Quando dizemos que é impossível resolver um problema não queremos dizer que é impossível resolver o problem em quaisquer circunstâncias, mas apenas nas circunstâncias nas quais a prova foi feita.

No caso do exemplo anterior, a impossibilidade implica que é impossível produzir um algoritmo que sempre levará a uma resposta correta com um número finito de mensagens, como havia sido assumido. Isto quer dizer, excluindo-se algoritmos que sempre levarão a respostas incorretas, ainda podemos produzir algoritmos que ou às vezes levarão a respostas incorretas ou que, mesmo que nunca levem a respostas incorretas, às vezes não levarão a respostas alguma; ambos podem ser úteis na prática.

Por exemplo, ainda no problema dos três exércitos tentando tomar a cidade, suponha que em vez de mandar um único mensageiro com a ordem de ataque, Alice envie 100, ou 200, ou 1000. A confiança de Alice de que Bastião também atacaria, seria muito maior e não precisaria receber uma confirmação de entrega de mensagens. Esta abordagem faria com com que o ataque funcionasse com uma alta probabilidade \(P\), mas com uma pequena probabilidade \(P-1\) de levar a um ataque fracassado, onde \(P\) pode ser feita tão grande quanto se "queira".

Resultados de impossibilidade abundam na área de computação distribuída2 e não podem nos desencorajar de continuar a buscar soluções práticas. Frequentemente a solução está em identificar premissas mais "amigáveis" que possam ser assumidas e, com isso, enfraquecer o problema.